terça-feira, 11 de março de 2014

Quem sabe a chuva?



Joana queria sair com Pedro. Conversavam pelo celular. Eram vizinhos. Acontece que a chuva não esperou pra cair e não passou pela cabeça de nenhum deles tomar um banho de chuva na rua.
No outro canto da cidade, Renato agradecia a chuva, gota a gota, pois era a desculpa que precisava para desmarcar o compromisso com alguém que lhe quer muito bem e esperava há anos por isso. Renato diz a si mesmo que não foi por maldade, era apenas preguiça. E assim, Renato pode dormir 12 horas ao invés de 8.
Sebastiana que estava na rua só conseguia pensar na roupa que estava no varal. Rodrigo, no carro que acabara de ser lavado. Bárbara, no dinheiro gasto em vão no cabeleireiro. Sofia que não poderá usar a roupa que queria na festa, chorou.
Seu Luis, que era sabido da vida, com seus quase 90 anos, estava fazendo pipoca para assistir a um filme sozinho, mas quando ouviu a chuva foi caminhando lentamente até a janela. Vez ou outra colocava a mão para fora, para sentir como é gelada. Voltou à cozinha, pegou um copo de alumínio e colocou-o delicadamente no parapeito da janela para ver quantas gotas queriam entrar ali. Achou engraçado o som da gota no alumínio e sorriu. Lembrou-se de quando era criança. Sentiu o cheiro da pipoca queimando, e desligou o fogo. Decidiu que a chuva era o filme mais bonito. De repente, percebeu que havia perdido a conta das gotas e se deu conta de que todas, afinal se tornaram uma só. Ficou feliz por entender isso e se sentiu agradecido. Olhou o chão molhado, notou que a essa altura do tempo, sua camisa também molhara, bem como o rosto e os ralos cabelos brancos. Não quis se trocar, nem secar o chão, pois achou bonito e quis observar quanto tempo levaria para que aquelas gotas secassem sozinhas. Seu Luis, aos quase 90 anos, perdeu a noção do tempo. E agradeceu por isso também. A essa altura, achara tudo muito poético, tanto, que seus olhos gotejaram. Seu Luis, sorriu e chorou com a chuva.
Sofia, ainda que tivesse visto a cena, talvez não fosse capaz de entender o que se passou; os outros provavelmente também não veriam sentido. Quem sabe na próxima chuva? Uma pena que só Seu Luis tenha sentido nesta história.

- Débora Paixão