quinta-feira, 28 de maio de 2020

Em ponto


Quando usei o primeiro ponto ele indicava o final quê?
Que fim levaria a fase se o ponto trouxesse também a vírgula?
E quando usei dois, que disse?
Se usei três deles, esperava o quê?
Que me dissessem em outras linhas... travessão?
Quantas margens atravessei?
Exclamei a beleza! Adverti o perigo!
Interrogam-me, enquanto a vida questionei
Quantas vezes estive entre vírgulas?
Aposto que mais estive entre aspas e não notei
Quantas vezes me pontuaram e quantas outras pontuei?
Quando foi que minha vida se mediu por métricas?
Seria minha vida uma história em soneto?
Seriam ricas minhas rimas?
Que sei?
Nem sei em que tempo escrevo agora
Se é pretérito desfeito
Se era presente do desatino
Olhando pra frente me vejo
Querendo saber mais como do que porquê
Passei do ponto
Olhei os sinais













Vem outro parágrafo


por Débora Paixão

domingo, 10 de maio de 2020

Maneira de Pão



Aqui em casa, todos os dias a gente come pão. De todos os tipos. Mas o francês é, sem dúvidas, o preferido. Ontem, minha mãe e eu nos aventuramos a fazer pão. Mais especificamente o pão francês. Eu, que nunca tive muita habilidade com massas, participei como mera espectadora. Queria aprender a habilidade de mexer na massa através dos olhos. Tive medo de desandar. Minha mãe não tem esse medo, minha vó também não tinha. Acho que para ser mãe talvez não se possa ter medo. Vai ver que ao se tornarem mães elas adquirem também a habilidade de disfarçá-los. Olhava para minha mãe e suas mãos incorporavam os ingredientes uns aos outros com a mesma certeza de quem sabe quem sabe que é melhor levar uma blusa porque vai esfriar. Quando olhava as mãos de minha mãe, via as mãos de minha avó. Ela disse: "vai menina, bota essa farinha sem medo". Pude ouvir minha vó em sua fala. Talvez a gente incorpore à nossa matéria os ingredientes de nossas mães. Talvez seja pelas suas mãos que a gente tome forma, desde cedo, no cuidado, no embalo, nas trocas. Enquanto mãe, mãos e massa descasavam, fiquei pensando nessa maneira de ser pão. Nesse exercício de paciência de deixar a massa crescer. É necessária a espera. É necessário o descanso. Embora uma parte não descanse nunca. Talvez mãe seja mais como o fermento que continua seu trabalho enquanto tudo descansa. Quando já tava bom de descansar as massas já boleadas, com a ajuda de um rolo de madeira se esticaram para poderem, mais tarde se enrolar e virar esse trenzinho lindo que é um pão francês, mas antes de assar: o corte. A faca precisa estar bem afiada, o corte precisa ser preciso. Como um bisturi. Dali, do corte, nasce o aspecto de pãozinho. O pão precisa do corte, tanto quanto eu precisei. Um corte preciso de bisturi no ventre esticado da minha mãe. Então afiei bem a faca para cortar a massa. Que alegria foi ver a massa se rasgar e tomar o aspecto de pão instantaneamente! Era um nascimento! Os olhares, meu e da minha mãe, eram de duas crianças que espiavam uma cena daquelas que dão vontade de bater palma e dar gritinhos de euforia. A gente precisava disso e o pão precisava do corte para poder criar aquela casquinha, característica típica de pão francês. Mães também precisam dessa casca. Talvez seja essa a casca que esconda o medo que a gente, de fora, não vê. O pão dentro do forno e a casa cheia do pão. O cheiro de pão, assim como o de café, é pura poesia. Já é uma explicação em si mesmo. O pão assou e não ficou do jeito que a gente queria. Esse é o problema de se criar expectativa. Mas por mais que tenhamos errado no tamanho, ou na quantidade de farinha, fez-se pão, de todo jeito. Tinha cheiro, tinha jeito e gosto de pão. Talvez eu não tenha crescido exatamente como minha mãe queria, mas cresci e fiz de mim o que sou. Pelas mãos e os ingredientes que minha mãe incorporou em mim. Depois dessa experiência, tenho certeza que comer pão nunca mais será a mesma coisa.


 por Débora Paixão,

dedicado a minha mãe Maria Luiza 
e todas as outras mães que nos trouxeram até aqui.