sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Impressões do tempo e do vazio



Altos e baixos. Férias na casa do meu vô, aqui em Vista Alegre, é assim... Um dia cheio de função, gente entrando e saindo da casa toda hora. Crianças (e adultos) entrando com o chinelo cheio de barro, deixando as tias enlouquecidas. O chão não para limpo, a pia não para vazia...
No outro dia, porém, tudo para. O vazio. Ninguém vem. Só o sono. Vai e vem toda hora. Cochila, acorda, anda até ali e volta pra cochilar mais um bocado. Às vezes aparece alguém procurando alguém e não acha.
Tem dia que até cachorro latindo é um evento. Galinhas seguem sendo galinhas, cacarejando por aí e patos seguem sendo patos, a cagar por tudo quanto é canto.
Nesses dias, minha natureza melancólica potencializa. Fico pensando de pensar em pensamentos que tive e por qual motivo. 
Olho os retratos na parede, os buracos do chão, os amarelados, as rachaduras. Uma parte minha que viveu aqui quando ainda tinha outras cores e sons acorda procurando pelo que havia, pelo que ouvia. A vó gritando "Mariiiia"; outra, que sequer viveu no tempo das fotos, fica sentindo que perdeu alguma coisa.
A cabeça fica transitando entre tempos que foram e não foram meus e histórias que mesmo não sendo minhas, se fizeram.
Hoje, sentada num sofá e meu vô, deitado noutro, perguntei: - Vô, como é pra você estar com 90 anos? Ele respondeu: - Passou rápido né? Eu panhava leite ali em cima, com carro de boi e já faz 70 anos.
E eu aqui passando um dia que às vezes parece durar uma semana. Ele, uma vida, nesse ritmo. Lento. Com muito tempo. Depressa.
Não sei que pressa é essa que a gente se acostuma a sentir.
Olhei pra ele e notei, com ternura, quantas rugas sua pele ganhou no último ano. O quanto alguns hábitos foram deixados de lado.
A horta que ninguém podia por a mão, ficando pra amanhã. O barbeiro de toda terça e sábado sendo remarcado por esquecimento.
O vazio às vezes é voraz. Tanto é que mastiga, engole o tempo. Passa a ser ele o protagonista. 90 anos. 
Ei, tempo! Desacelera. 
A casa enche, esvazia. O tempo passa, para, corre, fica. 
Meu vô e eu estamos sentados na mesma sala, o tempo passa e para pra cada um. Pelos olhos dele a casa enche, esvazia, grita, silencia, suja, limpa. De repente. Passou. Independentemente se ele senta ou levanta. Se quer ou não. E os olhos dele se movem, a boca silencia porque nada se opõe. O corpo fica. Mas tudo o sente imóvel sob os móveis da sala, ou do quarto, ou da cozinha.
A casa racha, quebra, amarela, remenda.
O tempo não. Ele não volta, não conserta, não adianta. O tempo não muda. A vida sim, as prioridades, as pessoas, até as paredes. As nossas impressões mudam. As nossas impressões mudam o tempo todo. Elas mudam o tempo.
Por hoje ainda arrisco que a única coisa que o tempo muda são as nossas impressões... sobre o mundo, a vida, os lugares, as coisas e ele mesmo. Das duas uma, ou isso é verdade, ou não passa de impressão minha.

Débora Paixão