"Sou adepta do bom e velho rock and roll
E como toda boa paulista
Guardo um pedacinho de pedra
E uma flor num lado escondido do coração
Mas alguma coisa acontece comigo
E não é quando cruzo a Ipiranga
Com a avenida São João
Alguma lágrima me cai
Quando chora o som do acordeão
Desculpem-me quem acha que traio
Dos paulistas durões a tradição
Mas sou filha de nordestino
Pernambucano, sim senhor!
E dentro de mim cabem alguns mares
Alguns sertões e alguma dor
Da terra de Gonzagão e Dominguinhos
Sanfoneiros por amor
Dali nasceu meu pai, papi ou painho
Devoto de Padim Ciço
Que reza do lado do radinho
Todos os dias ao nosso Senhor
E volto a falar da sanfona
Aquela pela qual choro um choro
De tanta beleza e encanto
Que fala a voz de um povo
Que é meu também, mas nem tanto
É que assim como o resto do povo
O Nordeste, cantinho querido
Tem vivido um tanto esquecido
Que de cima embaixo fica no meio
E de uma ponta a outra, no canto
E ficam lá a beleza e a dor
Esquecidas
E digo que o mau esteja aí, talvez
Deste esquecimento todo, talvez
Venha o mau humor e a tez franzida
Ranzinza e com altivez
Se o povo visse e ouvisse
Os "visse" e os "oxente"
E pudesse sentir o que esta gente
Nos diz com sofrida voz
O mundo estaria mais rico
E o Brasil seria lembrado
De sua própria história e cultura
Sem ter que pegar emprestado
De Garanhuns, cidade das flores -
A Palmeirina, onde painho
Nasceu e foi criado
Que conheci de visita
Num tempo longe e apressado
Lembro somente do clima
Lembrança minha de menina
Que aos 7 anos atravessou o Brasil
Num ônibus por 3 dias
Para chegar lá do outro lado
E conheci voinha e voinho,
Que depois de um ano se foi
Visitar a Deus do céu sozinho
E acredito que deva ter gostado
Pois ele não voltou mais
Voinho já ia cansado
E dessas lembranças que tenho
Eu guardo umas histórias embaçadas
Que a TV, e meu pai me recordam
Lampião e Maria Bonita, o cangaço
O mandacaru, o baião, o xaxado
E lembro mesmo é da sanfona chorando
E o povo sorrindo e dançando
Naquele clima abafado
Mas lembro sempre sorrindo
Com um choro contido
E um nó apertado - cá dentro do peito
Peito que sabe do choro
Do esquecimento, da dor, da poeira
Da sujeira do pé descalço
Mas ela chora de bonita que é
Mostrando o que o Nordeste é:
O canto mais próprio, mais puro
Que não copia e nem quer
E que pede ao Sol todo dia
Que a pele não queime tanto
Que a gente se lembre no futuro
De toda história e beleza
Que a sanfona chorona nos lembra
Sempre, através do seu pranto"
à meu pai, Diomar, com carinho
Débora Paixão
Fotografias de Gian Fernandes
https://www.facebook.com/GianFernandes.Photo.Art
Obrigada Gian :)