segunda-feira, 8 de abril de 2013

Vai saber ...

- Por que chora, menina? - perguntou a velha, passando a mão, que cheirava a alvejante, sobre a maçã do meu rosto, a secar um gota que vertia de dentro de mim.
- Não sei bem ... - respondi da forma mais sincera.
- Pois saiba que nem combina, você é tão bonita.
- Sim, é o que todos dizem, mas se quer saber eu preferia mesmo era ter mais força.
Eu sequer havia notado que a velha trazia consigo uma bengala de madeira e tinha os olhos cobertos pela massa branca de nuvem que perturba nela, a vista; em mim, a mente.
- Ora essa minha senhora! Posso parecer indelicada, mas ao que me parece a senhora é ... assim, meio cega, não? - perguntei meio que cheia de coragem.
- Sim, eu sou! E daí?
- Como assim e daí? Acaba de dizer que sou bonita e nem me viu.
- Eu reconheci sua beleza na sua tristeza, minha filha. É que toda beleza é um bocado triste, e você anda tão triste que há de ser muito bela.
- Mas a senhora disse ainda há pouco que beleza e tristeza não combinam.
- Sim, e mesmo as coisas que não combinam as vezes dependem uma da outra.
- Ah, deixa de conversa, a senhora deve mesmo é ter os miolos cozidos, eu hein...
- É lindo ver um passarinho abandonando um ninho não é? O medo e a satisfação do primeiro voo.
- Hmmm - disse apenas para que prosseguisse. Uma hora essa conversa haveria de ter um sentido.
- Então!
- Oxi, então o que?
- O passarinho ABANDONA o ninho. Não percebe? O que o ninho simboliza? Não vê que também é triste?
- Vejo sim, mas ...
- As vezes a tristeza é necessária para gente seguir com a vida, até mesmo a coragem que vem do medo é necessária para sentirmos o quão forte somos. A tristeza pode nos mostrar o quanto podemos ser felizes.
- Faz sentido, mas...
- Sabe, você ainda não me contou por que chorava, menina.
- É que não sei ao certo.
- Então a sua tristeza não é certa também.
- Vai ver que não.
- Mas de onde vem essa agonia, menina? Desde quando?
- Me parece que desde sempre, mesmo quando eu sabia ainda menos que isso tudo ocorreria.
- Então sossegue que passa...
- Passa sim, mas de onde vem essas suas teorias?
- Deste momento.
- Como assim?
- Não sei ao certo...
- Mas como fala com tanta certeza?
- Ora, só posso ter certeza do que dura neste instante.
- Amanhã então...?
- Não sei, ué. Eita, menina, parece que não aprende.
- Acho que não entendo mesmo. Neste instante o que fica, então?
- Só para fazer sentido... neste instante fica tudo o que passou!

(Débora Paixão)

5 comentários:

Luizfst disse...

Há uma sabedoria que somente o tempo e a idade trazem!

Anônimo disse...

Beleza é tão subjetiva e banal quanto as pessoas que "se acham" seja lá por qual motivo for. Abaixo um mundo de aparências, viva o conteúdo (se é que ainda existe algum nessas cabecinhas floridas com pseudo-realidades sobrepostas!).

Anônimo disse...

Sensacional! Nada mais!

Anônimo não anônimo

Carlos Augusto disse...

Quer saber minha teoria? A véia tava caducando rsrs

Menina, embora o formato seja de diálogo, sinto mais como poesia, quando as personagens aqui revelam um quase nada e deixam muito mais nas entrelinhas pra gente decifrar, essa conversa que vai nos conduzindo por um caminho sinuoso até chegar - "só para fazer sentido" - no que ficou desse instante, aquilo que passou.

Beijo, Passion!

Paixão disse...

pois é Carlão, tentando resgatar a essência das coisas que ficam no ar ... rs

beijos, queridos!