domingo, 20 de janeiro de 2013

Lembrança de Vida que Ainda Anda Viva






















"Sou adepta do bom e velho rock and roll
E como toda boa paulista
Guardo um pedacinho de pedra
E uma flor num lado escondido do coração
Mas alguma coisa acontece comigo
E não é quando cruzo a Ipiranga
Com a avenida São João
Alguma lágrima me cai
Quando chora o som do acordeão
Desculpem-me quem acha que traio
Dos paulistas durões a tradição
Mas sou filha de nordestino
Pernambucano, sim senhor!
E dentro de mim cabem alguns mares
Alguns sertões e alguma dor
Da terra de Gonzagão e Dominguinhos
Sanfoneiros por amor
Dali nasceu meu pai, papi ou painho
Devoto de Padim Ciço
Que reza do lado do radinho
Todos os dias ao nosso Senhor

E volto a falar da sanfona
Aquela pela qual choro um choro
De tanta beleza e encanto
Que fala a voz de um povo
Que é meu também, mas nem tanto
É que assim como o resto do povo
O Nordeste, cantinho querido
Tem vivido um tanto esquecido
Que de cima embaixo fica no meio
E de uma ponta a outra, no canto
E ficam lá a beleza e a dor
Esquecidas
E digo que o mau esteja aí, talvez
Deste esquecimento todo, talvez
Venha o mau humor e a tez franzida
Ranzinza e com altivez
Se o povo visse e ouvisse
Os "visse" e os "oxente"
E pudesse sentir o que esta gente
Nos diz com sofrida voz
O mundo estaria mais rico
E o Brasil seria lembrado
De sua própria história e cultura
Sem ter que pegar emprestado

De Garanhuns, cidade das flores -
A Palmeirina, onde painho
Nasceu e foi criado
Que conheci de visita
Num tempo longe e apressado
Lembro somente do clima
Lembrança minha de menina
Que aos 7 anos atravessou o Brasil
Num ônibus por 3 dias
Para chegar lá do outro lado
E conheci voinha e voinho,
Que depois de um ano se foi
Visitar a Deus do céu sozinho
E acredito que deva ter gostado
Pois ele não voltou mais
Voinho já ia cansado

E dessas lembranças que tenho
Eu guardo umas histórias embaçadas
Que a TV, e meu pai me recordam
Lampião e Maria Bonita, o cangaço
O mandacaru, o baião, o xaxado
E lembro mesmo é da sanfona chorando
E o povo sorrindo e dançando
Naquele clima abafado
Mas lembro sempre sorrindo
Com um choro contido
E um nó apertado - cá dentro do peito
Peito que sabe do choro
Do esquecimento, da dor, da poeira
Da sujeira do pé descalço
Mas ela chora de bonita que é
Mostrando o que o Nordeste é:
O canto mais próprio, mais puro
Que não copia e nem quer
E que pede ao Sol todo dia
Que a pele não queime tanto
Que a gente se lembre no futuro
De toda história e beleza
Que a sanfona chorona nos lembra
Sempre, através do seu pranto"

à meu pai, Diomar, com carinho

Débora Paixão


Fotografias de Gian Fernandes
https://www.facebook.com/GianFernandes.Photo.Art

Obrigada Gian :)

7 comentários:

Unknown disse...

Mas que bela poesia!!!!!
Linda linda linda...
Mutos versos me arrepiaram, me fizeram imaginar cada momento!
Parabéns, cada verso foi muito bem escrito!!!

Gian Fernandes

Derywendell disse...

Débora, quando eu era criança o meu avó me disse ter saído de casa aos oito anos de idade. Saiu, não olhou pra trás. Deixou pai, mãe, os irmãos, a casa, tudo que o ligava ao passado. Foi ver o mundo, foi caminhar sozinho pelo sertão, trabalhar no que aparecesse. Foi ser um "menino-homem", como ele costumava dizer. Nunca entendi isso direito. Uma criança sair de casa e deixar tudo pra trás. Sempre achei isso de uma força descomunal, espantoso até. E me recordar dessas palavras sempre me dói e ao mesmo tempo me acaricia. Agora, lendo este poema, e vendo essas fotos eu senti isso: uma dor... e um carinho. Obrigado!

disse...

Paixão, que texto é esse?!

Ah, de uma lindeza encantadora! Gostei demais, viu!!!

Quando lia seu texto lembrei tanto do meu pai... que é um nordestino arretado! Amo essa essência que eles têm, dessa coragem de seguir sempre em frente!

"Que a TV, e meu pai me recordam
Lampião e Maria Bonita, o cangaço
O mandacaru, o baião, o xaxado."

Beijos!!!

Carlos Augusto disse...

Nossa, que belo poema, Paixão! E que recordações bonitas... deve ter sido mesmo uma experiência e tanto essa viagem e esse ouvir o choro da sanfona rs

Digno de ser divulgado!

Anônimo disse...

Débora, você é uma gênia dos versos. Adjetivos não são capazes de figurar a suntuosidade dos encontros de palavras que você cria e recria. Muito, muito bom, muitíssimo bom. Um grande beijo!

Paixão disse...

Obrigada gente, de coração! Este poema me comoveu enquanto fazia e principalmente depois de pronto.
Sei que são sinceros no que dizem e por isso me comovo ainda mais!

Obrigada mesmo!
Grandes beijos!

Branna L. disse...

Minha Paixão, assumo: você me fez chorar. Lágrima quentinha, de coração saudoso, que lembra do fôlego da sanfona e não consegue se conter.
Tenho uma alma nordestina, talvez herança dos avós, que são de lá. E alma que vem de lá é sensível à dor, à saudade, à beleza das coisas simples. E teus versos falam exatamente disto. Me tocou profundamente,flor.